Interações entre plantas e medicamentos
Ingerir ao mesmo tempo medicamentos e produtos naturais, como chás, cápsulas de extrato vegetais, tinturas, entre outros, pode provocar efeitos indesejáveis ou imprevisíveis, como aumentar ou diminuir o efeito esperado do medicamento.
É por isso que os profissionais de saúde precisam ser comunicados sobre o uso de suplementos alimentares e produtos naturais com sua medicação convencional usual. O mecanismo de ação, modo como isso acontece, da maioria das interações planta-medicamento, apresentam a inibição ou indução de enzimas (proteínas que possuem propriedade de catalisar reações químicas, ou seja, acelerar a velocidade das reações químicas) responsáveis pela biotransformação (processo onde uma substância química passa por alterações estruturais através de enzimas) e pelo transporte das substâncias externas ao nosso organismo.
O sistema de enzimas citocromo P450 geralmente participa das reações de interação medicamento-medicamento e planta-medicamento atuando na biotransformação de substâncias no organismo humano e participando com a absorção, distribuição e excreção na regulação de níveis plasmáticos de fármacos (concentração de uma substância do plasma sanguíneo).
Quando há a inibição destas enzimas, resulta em diminuição da velocidade de biotransformação, causando aumento dos níveis plasmáticos das substâncias administradas, assim como de seus efeitos farmacológicos e tóxicos.
De forma inversa, algumas plantas medicinais podem exercer um papel indutor destas enzimas, resultando no aumento do metabolismo da droga, deixando os níveis plasmáticos muito baixos para uma ação terapêutica comprometendo a eficácia do tratamento
Ou seja,
- Inibição: diminuição da velocidade de biotransformação, causando aumento nos níveis plasmáticos das substâncias administradas = risco de toxicidade
- Indução: aumento do metabolismo do fármaco, ocasionando níveis plasmáticos baixos para ação terapêutica = comprometimento da eficácia
A glicoproteína-P pertence à classe das proteínas transportadoras ATP dependente (proteínas que atuam no transporte de moléculas para dentro e para fora das células e dependem de energia para isso) e é expressa em células tumorais e em células de tecidos normais. Localiza-se na membrana apical das células epiteliais do intestino grosso e delgado, nas membranas dos hepatócitos e na membrana luminal das células endoteliais da barreira hemato-cefálica, dentre outros.
A inibição da glicoproteína-P leva ao aumento do efeito de outros fármacos, pois aumenta sua biodisponibilidade (quantidade e velocidade de absorção do fármaco a partir de uma forma farmacêutica, estando disponível para executar a ação), enquanto que a sua indução diminui as concentrações plasmáticas, resultando na redução do efeito da substância. A glicoproteína-P e a CYP3A4 estão presentes nos tecidos de maior importância na biodisponibilidade de fármacos, intestino delgado e fígado.
- Inibição: aumento do efeito dos fármacos, aumento da biodisponibilidade.
- Indução: redução do efeitos dos fármacos, diminuição da concentração plasmática.
Exemplos de interações já relatadas:
¹Mulher de 36 anos – compareceu a uma consulta de ginecologia com sintomas de gravidez (não desejada). O histórico farmacológico revelou o uso regular do contraceptivo oral também que esta mulher tinha iniciado automedicação com extrato de Hypericum perforatum – Helarium® 450 – em doses diárias de cerca de 1700 mg. A automedicação teve início, três meses antes da concepção, e até à concepção nenhum outro medicamento foi tomado. Com exceção da pílula anticoncepcional. Os exames confirmaram as suspeitas de gravidez.
O que aconteceu? Hypericum perforatum é um indutor enzimático da CYP3A4 e glicoproteína P, diminuindo a concentração plasmática do contraceptivo, o que compromete seu efeito terapêutico.
²Mulher de 70 anos, que enquanto fazia tratamento com varfarina, consumiu produtos à base de camomila (chá e loção de corpo). Foi admitida no hospital com múltiplas hemorragias internas. A paciente tomou chá de camomila para aliviar sintomas de dor de garganta, e utilizou a loção de camomila para diminuir o edema localizado em ambos os membros inferiores.
O que aconteceu? Varfarina é um anticoagulante. A Matricaria recutita pode aumentar o risco de hemorragia por atuar sinergicamente com a varfarina, ou seja, intensifica ou prolonga a ação do medicamento, produzindo os efeitos anticoagulantes por um maior período de tempo.
³Um senhor de 74 anos que estava em tratamento para fibrilação atrial com digoxina, mantinha-se estável com esta terapia há mais de uma década. Numa das análises de rotina os níveis séricos do referido fármaco apresentavam-se num valor acima do terapêutico. O senhor não apresentava qualquer tipo de queixa ou sintomas coincidentes com os de intoxicação por digoxina. A dose de fármaco administrada foi suspensa, reintroduzida em doses reduzidas e mais tarde descontinuada, mas apesar disso os valores de digoxina mantiveram-se elevados.
Nessa altura o idoso revelou estar a tomar ginseng, em cápsulas, há vários meses. A administração do ginseng foi descontinuada nesse mesmo dia, e sete dias depois os valores já se encontravam dentro do intervalo terapêutico. Passado algum tempo o senhor retomou a toma de ginseng; cerca de um mês depois os valores subiram.
O que aconteceu? O Ginseng siberiano contém componentes chamados eleuterosideos, que são quimicamente relacionados aos glicosídeos cardíacos, como a digoxina. Outra explicação é a presença de algum elemento nas cápsulas de Ginseng que atuou impedindo a eliminação da digoxina. Nos dois casos, efeitos tóxicos deveriam ter sido notados pelo paciente e ensaios devem ser feitos em pacientes que estejam tomando o Ginseng siberiano, incluindo os que utilizam digoxina e os que não utilizam digoxina.
⁴Uma mulher de 35 anos perdeu uma quantidade excessiva de sangue (5L) durante uma cirurgia para extração de hemangioma na coxa esquerda. Perante o medicamento usado, entre muitos o Sevoflurano (anestésico), e a própria cirurgia, era esperada uma perda de 2,5 L de sangue, porém, a quantidade duplicou. A paciente havia consumido, nas duas últimas semanas, 4 comprimidos/dia de Aloe vera. Este fato era desconhecido pelo anestesista. Investigação posterior corrobora uma potencial interação entre o Aloe vera e o Sevoflurano – baseada no efeito antiagregante plaquetário que ambos têm e que acumulado levou à elevada perda de sangue.
O que aconteceu? O efeito antiagregante da Aloe vera juntamente com o medicamento, Sevoflurano, levou a um aumento da perda de sangue.
⁵Homem de 76 anos de idade, diabético tipo 2 e com doença cardíaca, queixava-se de um certo empanturramento. Por essa razão, decidiu tomar chá de Menta após as refeições para “ajudar à digestão”. Contudo, se mostrou preocupado quanto à possibilidade de interações entre o chá de Menta e a medicação que tomava. O paciente estava medicado com ramipril (anti-hipertensor), irbesartan + hidroclorotiazida (anti-hipertensores), amlodipina (anti-hipertensor), amiodarona (antiarrítmico), atorvastatina (antidislipidêmico), varfarina (anticoagulante), ticlopidina (antiagregante plaquetário), gliclazida (antidiabético oral), metformina (antidiabético oral) e pantoprazol (antiácido).
Em conversa com o paciente, lhe foi indicado que o uso diário de chá de Menta pode representar um risco para a sua situação cardíaca e a medicação associada, e que os sintomas distensão e desconforto abdominal podem ser um efeito secundário do antiácido pantoprazol. Contudo, este medicamento é indispensável para ele. Estudos in vivo demonstraram que preparações de Mentha piperita reduzem significativamente os níveis de glicose e de hemoglobina glicosilada. O consumo desta planta conduziu também a um aumento da tolerância à glicose, dos níveis de insulina e a um melhor funcionamento das enzimas metabolizadoras dos hidratos de carbono. Esta atividade hipoglicêmica pode ser devida a uma maior utilização de glicose pelo fígado ou por uma diminuição dos processos envolvidos na formação de glicose. Um aumento da secreção de insulina pelo pâncreas ou uma maior sensibilidade à sua ação são também mecanismos possíveis.
O que aconteceu? A planta poderia atuar de forma sinérgica com os medicamentos regulares do paciente, potenciando a possibilidade de ocorrência de hipoglicemia e bradicardia. Como tal, este uso deve ser efetuado com muita precaução, evitando-se um consumo regular e em grandes quantidades da Menta. Medidas não farmacológicas para reduzir a sensação de empanturramento foram passadas para o paciente, principalmente o aumento do número de refeições por dia, diminuindo a quantidade de alimentos ingeridos em cada uma delas; mastigar bem e lentamente os alimentos e evitar alimentos que sensibilizam o estômago (café, chocolate, condimentos, etc).
Links úteis para a pesquisa de interações medicamentos x plantas:
OIPM – Observatório de Interações Planta-Medicamento: http://www.oipm.uc.pt/home/
LiverTox – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK547852/
DRUGS – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/books/NBK547852/
MedlinePlus – https://medlineplus.gov/
DRUGS – https://www.drugs.com/drug_interactions.html
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Referências bibliográficas
1. Schwarz, U. I.; Buschel, B.; Kirch, W. Unwanted pregnancy on self-medication with St John’s wort despite hormonal contracepcion. Br J Clin Pharmacol 2003 55:112-113
2. Segal,R.; Pilote, L. Warfarin interaction with Matricaria chamomilla. CMAJ 2006; 174(9): 1281-2
3. McRae S. Elevated serum digoxin levels in a patient taking digoxin and Siberian ginseng. CMAJ. 1996 Aug 1;155(3):293-5. PMID: 8705908; PMCID: PMC1487979.
4. Lee A, Chui PT, Aun CS, Gin T, Lau AS. Possible Interaction Between Sevoflurane and Aloe vera. Annals of Pharmacotherapy. 2004;38(10):1651-1654. doi:10.1345/aph.1E098